A tão desejada partida

Como a viagem de Coimbra até Marrocos seria muito longa, partimos do Algarve, onde já estávamos, havia dois dias, a recarregar baterias. Acordámos bem cedinho (que nestes dias não é difícil madrugar, o difícil é pregar olho) e lá fomos seguindo o itinerário planeado: Via do Infante (A22) até à fronteira com Espanha, A49 em direcção a Sevilha, A4 em direcção a Cádiz e, finalmente, chegada ao local da travessia do Estreito de Gibraltar - Algeciras.
Chegámos, então, ao extremo sul espanhol e dirigimo-nos, por entre placas e indicações, ao local onde se compravam os bilhetes. Escolhemos um balcão (são vários) e comprámos 2 bilhetes de passageiros e um para o carro, ida e volta. O preço total foi de 107€, por uns dias não pagávamos mais do dobro, pois a partir de 15 de Junho começaria a época alta e o preço subiria para duzentos e tal euros, segundo nos disse o senhor... Informou-nos do horário do próximo ferry, 3 da tarde, olhámos para o relógio, "tá-se bem, falta um quarto para as duas", quando o senhor nos disse que o quarto era já para as três. Até parece que é a primeira vez que estamos em Espanha e que tomamos conhecimento de que os "nuestros hermanos" andam uma hora adiantados (em certos aspectos, são anos...)
Pernas para que vos quero, toca a correr para o carro, pagar o parque de estacionamento e seguir em direcção ao barco, onde já entravam as últimas viaturas...
Estacionámos o carro dentro do enorme porão e começou a aventura: o Arménio rodou a chave para trancar o carro e o canhão da fechadura saiu. Na porta do outro lado foi, há uns anos, substituída a fechadura da qual não se fazia a mínima ideia onde estava a chave. Boa! Fomos lá para cima curtir a viagem enquanto digeríamos o problema: carro aberto com a tralha toda lá dentro, a caminho de Marrocos, sem solução à vista para o trancar... Ainda por cima é domingo!
O porão do ferry levava dezenas de carros, carrinhas, camiões e motas, mas não estava cheio. Subimos as escadas estreitas e íngremes e chegámos à sala principal, que parecia um restaurante com bancos de autocarro, pelo menos numa das partes. Alguns locais tinham mesas com umas revistas com tanta publicidade que mal davam para praticar o espanhol e saber de notícias. Havia um bar, umas lojitas de suvenires, máquinas de jogos e até uma joalharia (quem é que se lembra de comprar jóias numa viagem intercontinemtal!?!). Na proa havia outro bar, com janelas a toda a volta, umas escadas para uma esplanada superior, e com um ar muito simpático devido à vista privilegiada de que dispunha. Quando nos aproximámos, apercebemo-nos que era reservado... vá-se lá saber a que VIPs. Fomos até lá fora apreciar a paisagem, enquanto nos afastávamos da costa e do rochedo de Gibraltar. Os motores rugiam e impressionavam de tão potentes, deixando um enorme rasgo de espuma que se estendia por dezenas de metros. Apesar do sol de finais de Maio, estava uma ventania um tanto ou quanto desagradável e fomos lá para dentro. Escolhemos uns sofás perto de uma janela e falámos, pouco preocupados e a rir, do "filme do canhão".
Os cerca de 45 minutos de viagem chegaram ao fim e dirigimo-nos para o Igor (nome atribuído ao carro devido às letras da matrícula: IG). A grande vantagem de termos sido os últimos a entrar é que fomos os primeiros a sair...

O país e o povo

Geografia: Marrocos fica localizado no extremo noroeste do continente africano, limitado a norte por Ceuta e Melila (enclaves que os espanhóis não largam nem por nada), pelo Estreito de Gibraltar e pelo Mar mediterrâneo, a leste pela Argélia, a sul pela Mauritânia e pelo Deserto do Saara e a oeste pelo Oceano Atlântico.
Relevo:
Em Marrocos destacam-se duas cadeias montanhosas: o Rif, com a orientação noroeste-sudeste, que faz parte das cordilheiras do Sul da Península Ibérica, e que tem como ponto mais alto o monte Tidirhine (2456 m); e o Atlas, no Centro do país, com a orientação leste-oeste, cujo ponto mais alto é o monte Tubkal (4165 m). A leste, situa-se a bacia do Muluya, uma região árida de terras baixas, criada pela erosão do rio Muluya. Mais a leste e a sudeste, encontram-se os altos planaltos, com cerca de 1000 metros de altitude. No Sul, inicia-se o deserto do Sara.
Clima: Mediterrânico a norte, Atlântico a oeste e desértico a Sul. Nas regiões litorais o clima é moderado. As regiões montanhosas do Sudeste são frias e húmidas, no Inverno, havendo neve abundante no Atlas. Na metade setentrional, há uma estação seca (de Maio ao Setembro) e um período moderado e húmido (de Outubro a Abril).
Religião principal: muçulmana sunita (cerca de 99%). Cada aldeia, por mais remota que seja, tem a sua mesquita´, com o verdadeira altifalante no topodo minarete.
Língua oficial: árabe, só e apenas... No norte muita gente fala espanhol e francês, mas quanto mais se desce para sul, mais difícil se torna a comunicação. Apenas algumas pessoas mais velhas (ainda) arranham um pouco de francês "macarrónico" (o adjectivo assenta-lhe que nem uma luva), que não difere muito do árabe.
População: Os marroquinos são uns 30 milhões, dos quais cerca de 70% são árabes (sempre foram mais do que as mães), 30% berberes (povos indígenas do Norte de África) e menos de 1% são de outras etnias. É um povo humilde e simpático. São comerciantes, por natureza, e tornam-se chatos de tanto que nos persuadem a comprar. Quando parece que estão a ficar chateados com tanto regatear (que nós também temos de fazer, ou não nos safamos), dão um aperto de mão e um sorriso e cada um vai à sua vida, também não vendem por uma tuta e meia. No norte, predominam os berberes que se dedicam, essencialmente, à agricultura. São pessoas mais recatadas, também devido à sua condição de minoria, uma vez que são populações indígenas que, ao longo dos séculos, tiveram de se submeter ao domínio de outros povos (romanos e árabes, essencialmente).
Capital: Segundo os marroquinos, o país tem 4 capitais:
- Rabat, a capital política e a "oficial"
- Fez, a capital cultural e espiritual
- Casablanca, a capital industrial
- Marraquexe, a capital turística
Das cinco cidades imperiais, ficou a faltar atributo para Meknés...
Moeda: Dirham (1 euro corresponde a cerca de 11,3 dirhams). O mais fácil é fazer contas como se equivalesse a 10, fazem-se de cabeça e só se falha por uns cêntimos! Um mesmo valor pode surgir com duas caras diferentes, uma com o actual rei, Mohamed VI e outra, que ainda continua em circulação, com o seu falecido pai, Hassan II. Sistema político: Monarquia constitucional. O parlamento é eleito democraticamente, mas o rei, Mohamed VI, é também o chefe do governo (isto de acumular tachos não é só cá para os nossos lados...)

Antes de partir

Viajar para um local desconhecido, por si só, requer uma certa preparação, um estudo prévio, digamos assim, para que nos possamos integrar da melhor forma e não sentir o choque cultural. Por outro lado é sempre bom ir preparado a diversos níveis para não ter surpresas: saber um pouco da História do país, dos costumes, da cultura, o que se come, onde se pode dormir, o que se deve visitar e também um pouco de árabe, já que para sul ninguém fala francês (e muito menos qualquer outra língua), a não ser jovens estudantes com sede de ocidentalização que já se vão dedicando à língua inglesa.
Quando o local em questão é um país muçulmano situado no continente africano, as atenções são maiores. Há que ter também em conta o modo de vida das pessoas para que não sejam elas a ficar em "estado de choque" cultural no convívio com os visitantes. O guia da American Express é muito completo e já nos dá uma ideia geral do país. Visitámos também diversos blogues e sites acerca de Marrocos, cada vez há mais gente a viajar para lá e a partilhar experiências cibernáuticas. Este blogue é, também ele, um contributo e um incentivo: vão a Marrocos, um país tão diferente, tão exótico, tão sui generis e tão perto de nós...

Planear a viagem

Começámos a viajar por Marrocos umas semanas antes da partida, através de um mapa da Michelin e de um guia da American Express.
O guia foi fácil de encontrar, mas para comprar o mapa percorremos as livrarias todas da baixa e nem na imensa superfície do planalto de Santa Clara nos safámos... Acabámos por encontrar um mapa de Marruecos que, apesar de ser na língua vizinha, era actual e continha as estradas e vielas por onde planeávamos passar.
Começámos logo por tentar fazer um itinerário possível para 12 ou 13 dias que era o tempo de que dispúnhamos para a viagem: Chefchaouen, Meknés, Fez, Marraquexe, El Jadida, Casablanca, Rabat e Arzila foram os sítios assinalados para ficar uma ou duas noites, com paragens por outros locais de interesse que fomos vendo no guia e que catalogámos de indispensáveis, tais como as ruínas romanas de Volubilis, no Norte, ou as Cascatas d'Ouzoud, algures no meio do Atlas.
E assim fomos percorrendo as linhas do mapa e as páginas do guia, em busca do que de melhor Marrocos poderia ter para nos oferecer, realçando as nossas prioridades de amarelo fluorescente e com pequenos marcadores colados às páginas com fita-cola .
A internet, como é óbvio, também foi um meio de "pré-viajar", tentando recolher o máximo de informação acerca do país, relatos de viajantes, fotos, locais para dormir ou comer, etc.
Como a viagem de Coimbra a Marrocos ainda é longa para fazer num só dia, pensámos logo em fazer uma paragem no Algarve para visitar a família e recuperar baterias. Também íamos trocar de carro pois o peugeotzito a gasolina não é muito económico e o meu pai emprestar-nos-ia o comercial que estava quase sempre parado e também precisava de um passeio. Apesar de já ter uns oito ou nove anos, parecia ter estofo para aguentar uns milhares de quilómetros...