Por entre terras e terriolas...

Continuando a viagem pela estrada nacional, fomos passando por povoações de beira de estrada, umas maiores e mais movimentadas do que outras. Quase todas com o mesmo em comum: a estrada a passar-lhe ao meio, casas e lojas de um lado e do outro, bermas em terra batida assim como as ruas perpendiculares. Apenas a estrada principal era alcatroada. As povoações mais pequenas estavam praticamente desertas àquela hora, cerca do meio-dia. No entanto, passámos por uma povoação bastante mais animada. O movimento frenético de pessoas, animais e viaturas era caótico, o trânsito naquele quilómetro e pouco de estrada estava congestionado e, para nossa surpresa, até um homem numa cadeira de rodas se deslocava no meio dos carros... Mas a cereja no topo do bolo ainda estava para vir. Em dia de feira, qualquer terriola é movimentada, mas esta... só mesmo o registo em video para ter uma ideia:

Atravessando o Médio Atlas

Saímos de Fez em direcção a Marraquexe, pela estrada principal que equivale às nossas estradas nacionais, salvo raros troços...
O caminho era longo, cerca de 500km, o que em autoestrada até nem é muito, mas nestas estradas é bastante significativo. Também não íamos fazer a viagem directamente, pois pretendíamos ir conhecendo um pouco da cordilheira do Atlas e visitar alguns locais.
A estrada de Fez a Marraquexe atravessa o Médio Atlas, a parte mais a norte e também a mais baixa em altitude. Os picos mais elevados são o Jbel Bou Naceur e o Jbel Bou Iblane, com 3340 e 3190 metros de altitude, respectivamente.
A paisagem é muito bonita e diversificada. À medida que vamos fazendo quilómetros vamos descobrindo novos locais, novas cores, novos horizontes...
A diversidade verifica-se até nas cidades. Começámos a ver ao longe uma cidade com telhados inclinados, que mais parecia uma cidade do Norte da Europa. Logo nos lembrámos que estávamos em pleno Atlas, a alguns milhares de metros de altitude, e que no Inverno nevaria ali, com certeza, daí a forma dos telhados...
À entrada da cidade, de seu nome Ifrane, a já típica "Adouane", com um polícia a controlar...
Ifrane tem, realmente, mais aspecto de cidade europeia do que marroquina. Fica a 1650 metros de altitude e alberga o palácio residência de verão do Rei. Em 1995, Hassan II fundou a Universidade Al-Akhawaya, que muito tem contribuído para o desenvolvimento da cidade.
Apesar do "ar" desenvolvido da cidade, as marcas de ruralidade continuam presentes. Não é qualquer cidade europeia que tem um rebanho de ovelhas a atravessar a estrada...

Seguimos viagem e fomo-nos deliciando coma paisagem, em que os áridos planatos vulcânicos contrastam com o azul dos lagos.

Os berberes nas suas vidas calmas e duras de agricultores, muitas vezes em locais remotos onde nem sequer se via uma casa...
Passámos também por muitos pastores que pastavam os seus rebanhos à beira da estrada.

E por comerciantes com as suas lojitas sui generis

E Marraquexe ainda tão longe...

A curtir as piscinas do camping...

Depois de um dia extenuante, em que andámos inúmeros quilómetros a pé, pelas ruas da medina de Fez, chegámos ao Parque de Campismo e equipámo-nos para ir para a piscina.
Ainda tínhamos algum tempo até ao pôr-do-sol e lá fomos nós, de toalha ao ombro, aproveitar as últimas horas em Fez.
O dia foi cansativo, não apenas pelo que caminhámos, mas também porque estava muito calor. E como estávamos em finais de Maio e com saudades do Verão, fartámo-nos de nadar e mergulhar, tais eram as saudades...
Um fim de tarde refrescante e revigorante!

O outro lado de Fez...

Fez é, sem dúvida, uma cidade fascinante, com imenso património histórico e cultural, ou não fosse classificada pela UNESCO. No entanto, não poderia deixar passar em branco a miséria que está à vista de qualquer turista minimamente atento.
Fez integrou a lista de Património da Humanidade em 1981. Não sei qual seria o estado da medina nessa altura mas, tendo em conta os padrões exigidos actualmente aos candidatos, a deteriorização é bastante significativa. Algumas ruas, principalmente onde se faz comércio, são sujas e muitas construções encontram-se num elevado estado de degradação. Na maioria dos casos, pinta-se o rés-do-chão, "para inglês ver", e deixa-se completamente ao abandono os restantes andares. As portas e janelas de madeira, de grande riqueza artística, não têm qualquer tratamento e estão-se a desfazer...
O rio que atravessa a medina é qualquer coisa de surreal. Apesar de ter consciência do estado de poluição do nosso planeta, fiquei chocada com tanto lixo e, pior do que isso, com pessoas descalças a atravessarem-no. O rio está praticamente camuflado no meio das ruelas e foi através de um buraco num muro que o conseguimos visualizar...
Mas pior do que a miséria do património cultural e natural, é a pobreza do povo, principalmente dos idosos que são os mais afectados (como em todo o lado) e os que mais se vêem a pedir esmola. Aqui pede-se um bocado de pão, algo que possa, não alimentar e nutrir, mas, simplesmente, ajudar a atenuar a fome...

Tráfego de burros em Fez

Apesar de Fez ser o maior espaço urbano mundial livre de carros, não se pode dizer que não tenha trânsito. Tem e, nalgumas ruas, bastante caótico. No entanto, não se trata de tráfego automóvel, mas de carroças, bicicletas, carrinhos de mão e, essencialmente, burros.
O burro é um animal em vias de extinção no mundo, mas esta estatística não se aplica, com certeza, em Marrocos. Quase todo o marroquino tem o seu burro de carga, que deambula pela medina, cambaleando, muitas das vezes, devido ao excesso de peso.
É o principal meio de transporte no interior da medina, levando, amiúde, ao congestionamento das ruas estreitas. Aos peões, por seu turno, é solicitada a máxima atenção para se desviarem a tempo de se salvarem de um atropelamento ou de uma pisadela de um casco...

É frequente ouvir-se um "hei" de alguém que avisa os transeuntes da passagem de um asno puxado pelo seu apressado dono. Tal como em todo o mundo, quando se fala de negócios, tempo é dinheiro... E em Marrocos não é excepção, ou não fossem os marroquinos comerciantes obstinados. Mas não só na medina deambulam burros. Mesmo nas ruas e avenidas da cidade, se vêem, guiados pelos seus donos, os pobres animais de carga a atravessar as movimentadas artérias.

As alcaçarias de Fez

Um dos lugares mais emblemáticos da Medina de Fez são as Alcaçarias, que ficam mesmo no centro da medina. Devido ao seu cheiro intenso e um tanto ou quanto nauseabundo, em alguns locais foram retiradas do centro e colocadas fora das cidades, como acontece em Marraquexe. Mas em Fez continuam a ser um dos ex-lybris da medina e local de visita obrigatória. As peles de animais (ovelhas, cabras, vacas e camelos) são sujeitas a vários tratamentos: Primeiro removem-lhes os pêlos e restos de carne e emergem-nas numa solução de casca de romãzeira ou de mimosa. Depois são lavadas em grandes quantidades de água e amaciadas em soluções gordurosas. Este tratamento é feito em tinas caiadas de branco.
Depois de amaciadas, as peles são tingidas nas enormes tinas. Apesar de hoje em dia já se usarem tintas químicas, as tintas naturais ainda são usadas pelos artesãos marroquinos.

As peles curtidas são penduradas a secar nos terraços da medina, ou noutros locais como telhados e encostas em redor da cidade: Segundo o guia, a cor amarelada é conseguida com açafrão e o vermelho com papoilas. A vista privilegiada para as tinturarias é conseguida através de um terraço de uma loja de peles. Quando começámos a subir as escadas deram-nos logo um raminho de hortelã para colocar junto às narinas, para ajudar a disfarçar o cheiro... ajuda bastante, acreditem, ou tornar-se-ia insuportável! É pena o video não ter cheiro:

Depois descemos até à cave onde estavam os artesãos que transformavam as peles em artigos, tais como sapatos, malas, casacos, pufes, entre outros...

E, finalmente, convidaram-nos a dar um passeio pela loja, que era enorme, repleta de artigos de couro, para adquirirmos qualquer coisinha. Como era tudo mais caro do que já tínhamos visto noutros locais da medina, agradecemos a visita e seguimos viagem...

Ao sair da loja, um grupo de pessoas cantava, tocava e dançava, alegremente...

Fez, capital cultural e religiosa

Fez é considerada a capital cultural e religiosa de Marrocos. Aquela que é considerada a mais antiga universidade do mundo, a Universidade Corânica Quaraouiyine, fundada em 859, fica situada no coração da medina. O ensino do corão é feito desde tenra idade nas medersas, escolas religiosas com alunos residentes, uma espécie de colégio interno... O Mohamed levou-nos a visitar uma escola especialmente vocacionada para as artes, onde se ensinavam alguns dos ofícios milenares que ainda hoje se podem encontrar nas oficinas da medina. A escola tinha pormenores arquitectónicos e artísticos muito interessantes, apesar de o seu estado de conservação, nalguns casos, não ser dos melhores:
Portas de madeira pintadas
Azulejos geométricos
Vitrais
Janelas com ferro forjado
Colunas com capitéis mouriscos

Arcos trabalhados

E um belo jardim, com vista para a medina
Quando estávamos a sair da escola, encontrámos o director que, ao saber que éramos portugueses, não resistiu a nos dar uma aula de História sobre os nossos conterrâneos no Norte de África... Ah, e a pedir a devida contribuição pela visita à escola...
A medina El-Badi tem mais de mil mesquitas. Como são interditas a não-muçulmanos, não pudemos visitar nenhuma, mas até vê-las de fora não foi fácil. É que as ruas são tão estreitas que as mesquitas se encontram praticamente camufladas. De vez em quando lá reparávamos numa porta de decoração mais elaborada e, ao olhar para cima, víamos o minarete ao alto...
À hora certa, lá se ouvia a chamada para a reza nos altifalantes, e o movimento tornava-se mais apressado em direcção à mesquita mais próxima...

A medina e os "souks" de Fez

Entrámos na medina El-badi, a parte mais antiga da cidade de Fez, por uma das portas que transpõem os 25 km de muralhas. As suas mais de 9000 ruas e ruelas labirínticas fazem deste o maior espaço urbano livre de carros, a nível mundial. Segundo se consta, até mesmo as 500 mil pessoas, que ali vivem e trabalham, se perdem, por vezes. No entanto, confiámos no Mahomed para nos guiar pelos locais que pretendíamos visitar e levar-nos de volta à entrada, pois claro...
E lá fomos, deambulando pelas ruas, muitas delas verdadeiros centros comerciais, onde tudo se vende, e centros artesanais, onde tudo se fabrica. Vêem-se imensas oficinas, de porta aberta, que nos mostram os trabalhos diversos dos artesãos de Fez, desde o fabrico de portas e janelas de madeira esculpida, tecelagem em teares manuais, artigos em couro ou ferro forjado, etc.
Os souks estão localizados segundo uma hierarquia, atribuída aos diversos produtos que neles se vendem. Os ofícios estão agrupados e cada um tem a sua rua. Assim há souks destinados a:
Tecidos
Artigos em pele
Tapetes Artigos em cobre ou latão E aos mais diversos produtos alimentares, alguns, porém, de aspecto duvidoso...
Queijo fresco

Cereais e leguminosas

Ovos e cereais

Caracóis
Carne Peixe
Produtos não identificáveis... E ainda fruta, que decidimos comprar para o lanche.